
O que previa o decreto anterior e por que foi revisado?
Em janeiro de 2025, a Lei Federal nº 15.088/2025 alterou o art. 49 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), passando a proibir a importação de resíduos sólidos e rejeitos em geral, salvo nas hipóteses previstas em regulamento.
Em seguida, no dia 17 de abril de 2025, foi publicado o Decreto nº 12.438/2025, com o objetivo de regulamentar essas exceções. A norma introduzia critérios técnicos para a entrada no país de determinados tipos de resíduos sólidos, desde que destinados à reutilização, reciclagem ou recuperação energética, e mediante comprovação de viabilidade técnica, econômica e ambiental. O decreto apresentava uma lista de resíduos autorizados, com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), incluindo materiais como papel/papelão, alumínio e cacos de vidro, o que gerou forte reação de entidades da sociedade civil e organizações de catadores.
As críticas destacavam riscos como:
- Prejuízo aos catadores de materiais recicláveis: Mais de 800 mil pessoas vivem da reciclagem no Brasil, segundo dados do IPEA. A entrada de resíduos estrangeiros poderia criar concorrência desleal, reduzindo a demanda por materiais coletados localmente.
- Desvio de recursos da erradicação de lixões: Em 2023, 31,9% dos municípios brasileiros ainda utilizam lixões (IBGE). A flexibilização da importação poderia tirar o foco das políticas públicas necessárias para resolver esse problema estrutural.
- Brechas para descarte irregular: Especialistas alertavam para o risco de que a regulamentação fosse usada como pretexto para o descarte inadequado de resíduos no território nacional.
- Desalinhamento com compromissos internacionais: Havia preocupações sobre possíveis violações ao Acordo de Basileia, que regulamenta o controle de movimentações transfronteiriças de resíduos.
Assim, diante do forte apelo público, o governo federal revogou o decreto menos de um mês após sua entrada em vigor.
O novo decreto: mudanças e salvaguardas
Diante das críticas, o governo federal publicou nova norma, o DECRETO Nº 12.451, DE 6 DE MAIO DE 2025, que mantém a possibilidade de importação de resíduos sólidos, mas com mecanismos mais rígidos de controle e maior participação social. Entre as principais alterações estão:
- Maior rigor na análise técnica e ambiental: O novo texto exige estudos detalhados sobre os impactos socioeconômicos e ambientais antes da autorização de importação.
- Participação obrigatória de organizações de catadores no processo decisório: As entidades representativas do setor agora têm assento em comitês de avaliação.
- Restrições ampliadas para resíduos perigosos: Fica expressamente proibida a entrada de materiais com potencial de contaminação.
- Fortalecimento de contrapartidas: Empresas importadoras devem investir em infraestrutura local de reciclagem e capacitação de catadores.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, as mudanças buscam equilibrar as demandas industriais por matérias-primas recicladas com a proteção da cadeia nacional de reciclagem.
O que dizem as organizações de catadoras e catadores agora?
As entidades representativas, como a Associação Nacional dos Catadores (ANCAT), reconhecem avanços no novo decreto, mas seguem cautelosas. A ANCAT entende que a inclusão de salvaguardas é um passo importante, mas é preciso monitorar de perto a implementação, afinal, a prioridade ainda deve ser o fortalecimento da coleta seletiva e do processamento local, não a dependência de resíduos estrangeiros.
Entre as demandas ainda não atendidas estão:
- Garantia de preços mínimos para materiais recicláveis nacionais;
- Investimentos diretos em entidades de catadoras e catadores de material reciclável;
- Metas claras para redução da importação à medida que a coleta seletiva avance.
Riscos ambientais mitigados (mas ainda presentes)
O novo decreto reduz, mas não elimina totalmente, os riscos ambientais associados à importação de resíduos. Entre os pontos de atenção estão:
- Monitoramento pós-importação: Fiscalização contínua será essencial para garantir o cumprimento dos planos de destinação final.
- Capacidade local de processamento: Muitas regiões ainda não têm estrutura para lidar com seus próprios resíduos, quanto mais com materiais importados.
- Classificação equivocada de materiais: Sistemas de verificação precisam ser robustos para evitar entradas acidentais de resíduos inadequados.
O caminho a seguir: entre a regulamentação e a economia circular
Com a nova regulamentação, o desafio é conciliar três objetivos:
- Atender demandas industriais por matérias-primas sem desestruturar o mercado de recicláveis.
- Fortalecer a cadeia nacional por meio de investimentos em coleta seletiva e processamento.
- Manter o Brasil alinhado com acordos ambientais internacionais.
As prioridades da PNRS seguem centrais:
- Erradicação dos lixões: Ainda existem cerca de 3 mil lixões ou aterros controlados ativos no país (Abrema).
- Expansão da coleta seletiva: Menos de 20% dos municípios brasileiros têm sistemas eficientes.
- Fortalecimento das organizações de catadoras e catadores: As entidades ainda enfrentam precariedade estrutural, baixa remuneração e falta de reconhecimento institucional. Avançar nessa agenda exige investimentos contínuos em infraestrutura, assistência técnica, acesso a mercados, remuneração justa e inclusão nos contratos públicos.
Conclusão
A revogação do Decreto nº 12.438/2025 por meio de nova regulamentação reflete a complexidade de equilibrar desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Se por um lado o novo texto incorpora demandas históricas das organizações de catadoras e catadores, por outro é aberta a possibilidade de importação de resíduos, o que exigirá monitoramento constante e atuação vigilante da sociedade civil. O episódio reforça a importância de políticas públicas construídas com participação social efetiva, especialmente quando envolvem atores historicamente marginalizados como as catadoras e os catadores de materiais recicláveis. O caminho para uma gestão adequada de resíduos no Brasil passa necessariamente pelo fortalecimento das soluções locais, da coleta seletiva e do diálogo permanente com todos os elos da cadeia. A implementação do novo decreto será o verdadeiro teste do compromisso com a economia circular justa e inclusiva.